Quem lê poesia além dos próprios poetas?
Uma manifestação contra a marginalização da poesia.
Não estou no panteão da poesia como Manoel de Barros, Drummond, Leminski, Quintana, Adélia, Pessoa e tantos outros grandes nomes. No entanto, seja pela política de restrição de alcance das redes sociais para alimentar anúncios ou pelo simples fato do olhar preguiçoso de quem as habita, é fato notório que muitas vezes parecemos estar num cemitério social.
Sabemos bem que o costume dentro de uma rede social é, num curto espaço de tempo, deslizar a tela velozmente e sair curtindo tudo e compartilhando frases de efeito no perfil num frenesi insano. Nessa ultravelocidade vamos na contramão da poesia, que é como um cafezinho saboroso acompanhado de um bolo recém saído do forno, devendo ser degustada lenta e carinhosamente. Passar correndo por um poema é feito estar na estrada a cem por hora e ver um lago na paisagem, contemplamos apenas o borrão de sua superfície e ignoramos a principal substância.
Dito isto, podemos afirmar que as redes são inimigas da poesia, uma verdadeira pedra no caminho. Que maravilhoso seria a criação de uma rede social realmente social, um local que fosse como uma placa PARE em meio a tanto corre-corre. Deixo aqui a minha sugestão anticapitalista de um aplicativo que jogasse o lucro para segundo plano e fomentasse a contemplação. Você não poderia somente deslizar a tela e correr para a próxima publicação, deveria dar uma chance para ela, justificar porque já está querendo partir para outra. Seria um app para textos breves e longos, permitindo ver não apenas as palavras mas todas as entrelinhas que as vestem.
Eis a minha indagação: quem lê poesia além dos próprios poetas? Os poetas não são leitores comuns porque eles sabem muito bem que a poesia vai muito além da margem da palavra, por isso são os principais consumidores de material poético. Poetas têm conhecimento de que o verdadeiro conteúdo do texto está escondido atrás da cortina da palavra, ansiando para ser revelado, é uma brincadeira de pique-esconde.
Observa-se que muitos leitores comuns, principalmente os habituados à racionalidade da não-ficção ou à linearidade de um romance, veem a poesia apenas como versos organizados em estrofes com uma rima aqui e outra acolá, a enxergam apenas como um texto esbelto vestido de palavras bonitas. É uma visão fútil acerca de algo tão grandioso quanto o poema. A palavra é a última coisa a qual se deve prestar atenção em uma obra poética. Primeiramente, se deve sentir. Após, busca-se o que há por trás desse sentimento, a mensagem que o endossa. Por isso, não se deve cometer o crime de ler um poema apenas uma vez. Deve-se ler e reler uma poesia pois, como uma cebola, é uma peça de muitas camadas, as quais são reveladas a cada dissecação (e também pode nos fazer chorar).
Nós, possuidores de perfis de poesia nas redes, percebemos muitas vezes que nossos frequentes consumidores são também poetas, criando uma espécie de bolha difundida somente entre quem faz poesia. É excelente para trocar ideias e colher inspirações, mas deixa de espalhar nossa semente para o grande público. Temos a impressão de que somente os poetas leem os poetas, mas talvez seja só o que as grandes redes querem que a gente pense, pois para elas tudo não passa da racional irracionalidade do algoritmo. Pelo algoritmo, obviamente os poetas irão atrás de consumir poesia, assim serão recomendados poemas e poetas, restringindo cada vez mais o conteúdo consumido até formar uma bolha que lhe fornecerá toda vida o mesmo tipo de conteúdo. É uma espécie de prisão criativa.
Tenho percebido o crescente hábito de deixar de ler e de contemplar as coisas, o que proporcionou a erupção de muitos textos instantâneos, prontos para serem consumidos e logo descartados em segundos. Primeiramente, acredito que tudo isso seja fruto do declínio do pensamento crítico, da vontade e da capacidade de questionar, perguntar, e não apenas obter a resposta seca para tudo. Outra razão é o decrescimento do consumo de livros. Os livros são uma espécie de resistência neste mundo tão veloz. Obviamente, se prefere o consumo rápido e estimulante dos streamings, onde o cérebro pode enfim se desligar após um cotidiano louco. No entanto, o que poucos sabem é que os livros são anestesiantes muito mais poderosos e benéficos. Os livros ensinam a parar, contemplar, questionar e a imaginar. Este seria o remédio para o grande mal que assola a humanidade, a automatização do ser humano, a sua bolhificação.
A poesia está aí para subverter qualquer regime de artificialidade. O poema é um bicho selvagem que não vai se permitir capturar. Correrá livre pelos campos, nadará contra a corrente e escapará de todas as redes. Vamos à caça!
Que reflexão!
Eu ampliaria: quem lê literatura além dos próprios escritores?