Futuro: Uma Assombração Nata.
Sobre o fantasma que nos encanta (ou nos espanta) desde a infância.
Acredito que há um momento de paz em nossa vida, são os nossos primeiros anos, quando ainda não florescemos a capacidade de pensar no futuro. O que nos diferencia das outras espécies, erroneamente discriminadas como irracionais, é que temos essa maldição de pensar além, de inventar coisas que ainda não aconteceram. Como diria Renato Russo em Pais e Filhos: “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar para pensar, na verdade não há”.
Vendo o hoje, tenho medo do futuro. Já não exercemos mais o olho no olho, o aperto de mão, o abraço, as conversas longas, as risadas de doer barriga… Estamos desidratando nossa humanidade em prol da frieza das máquinas. Como será nosso futuro se estamos cada vez mais distantes um do outro? Só me resta pensar que cada um se entocará em seu próprio mundo virtual onde inexistem as desventuras e ninguém jamais contestará as suas opiniões.
“Chegará um dia em que a tecnologia ultrapassará a interação humana, e o mundo terá uma geração de idiotas.” - Albert Einstein
Evito pensar no futuro pois tenho medo. A gente sabe o destino final que aguarda a todos mas, se fôssemos pensar nisso o tempo todo, compraríamos passagem adiantada para ele. O problema é esse pensar demais, criar imagens medonhas que de tanto imaginados se sobrepõem à realidade. O pensamento acelerado em virtude do turbilhão de informações que nos cercam por todos os lados é o que vem terremotando nossa saúde mental.
Pois bem, de tanto temer o futuro, acabo querendo descansar no presente. Fui dotado de nascença por uma indecisão constante. Nunca soube o que quero de fato. Não sou como aquelas pessoas obstinadas que já calculam todo o caminho que querem percorrer na vida. Sou uma planta que vai se esgalhando sem propósito e vez ou outra recebe uma poda compulsória. Eu ainda estou na busca, uma busca eterna pela construção de uma identidade e pela escolha de um sonho. No entanto, talvez eu não tenha sido aparelhado para linhas retas. Pode ser que tenha vindo a este mundo não para passar pela cabeça da agulha, mas para engordar novelos.
O caos sempre me encantou mais que a perfeição. Por mim, jamais podaria as minhas plantas. Gosto de ver o caminho que cada uma trilha à sua forma. Gosto de apreciar o torto, o orgânico, longe da perfeição da geometria e de toda maneira de exatidão. Tendo em vista essa minha predileção, evito desenhar o futuro e medi-lo milimetricamente. Vou, pacientemente, fincando raízes no que der e vier, onde houver, naquele instante, sombra e água fresca. O problema é que o sol muda de lugar várias vezes ao ano. O problema é que a água evapora…
“Me dei conta de que o passado e o futuro são ilusões reais.” - Alan Watts
Futuro O futuro é uma doença à frente de seu tempo Parasita esperanças Vasculariza nos dias Metástase À moda de erva daninha. Sintomas: Gosto doce na boca Alucinações Desejos febris Dores fantasmas. Tratamento: Não ingerir cápsulas do tempo Lembrar de esquecer o que nunca houve Chamar o agora para um café Ver que os planos nunca alcançam todas as dimensões. A. Alves
O que vi por aí
Miyazaki se despede em grande estilo com o Menino e a Garça. A obra é plena de referências não só ao próprio autor mas ao universo incrível que ele criou. A animação gira em torno do luto, da superação, da busca por construir novos mundos. Tudo isso unido à uma imensidão de cores, seres fantásticos, natureza e movimentos, torna O Menino e a Garça uma obra impecável estética e substancialmente.
Quem acompanha o desenrolar do enredo apenas pelo que é mostrado, perde uma boa parte da experiência. A história é rica nas entrelinhas e nas metáforas tão presentes. Miyazaki deixa para nós um legado inesquecível e passa, melancolicamente, a mensagem de que seu mundo está desmoronando mas que novos serão criados por outras mãos, talvez inspiradas em suas criações.
Disponível na Netflix.
Gostei muito da sua dica sobre O Menino e a Garça. Vou assistir. Em tempo: o futuro também me apavora.
Vale a pena conferir O Menino e a Garça. Pois é, Ricardo, o futuro é um fantasma que assombra todo dia! Obrigado pela leitura.