A Valsa Dantesca dos Hereges
Quantos Tártaros cospem as bocas! Vampiros na jugular dos cordeiros Arrebatai! Arrebatai, irmãos e irmãs! A salvação por um punhado de ouro…
Quantos Tártaros cospem as bocas!
Vampiros na jugular dos cordeiros
Arrebatai! Arrebatai, irmãos e irmãs!
A salvação por um punhado de ouro
Dai a nudez de oferenda aos sacerdotes
Terás o Éden pelo preço da pele macia
Dai todo o dízimo e crucificai o Diabo
Ponde todas vossas culpas em Satanás
Vai, caótica iluminura, espalha o verbo!
Cobre-te de razões e abomina teu avesso
Põe tua auréola, espalha teus santos
Escreve na bio: “cristão”, “conservador”
Blinda tua fúria com o escudo da Palavra
Pois a fé que tens salvaguarda teu ódio
Esta fé lâmina pode apunhalar, sangrar
Pode esfolar, decepar, ofertar sacrifício!
Extasiar divindades com sangue e víscera
Ah, a ponta da língua é amolada, afiada!
Aço com desejo de castrar o que não seja
pênis ou vagina ou algo além do corpo
Pois há uma sede de carne, reprimida
Pecado, folclore que se nutre de medo
Dormem os cordeiros contando pesadelos
Ó deus perverso que julga e machuca
Deus que ecoa nervoso por microfones!
Deus que prega cravos enormes nos sexos!
Deus que ama fogo e cabelos cauterizados!
Deus apaixonado por rebanhos adestrados!
Meu Deus, por que nos abandonaste?
Por que não aninha nossas máculas?
Se na natureza tudo é retorcido e tortuoso
Por que não aceita nossas contestações?
Se somos à sua imagem e semelhança
Por que repudia as nossas questões?
Se até teu filho indagou tuas razões
Divina é a suculência do fruto carmim
Prazer é mandamento, dádiva nata
Celebrai vossa gula! Vossa luxúria!
Pois não és mero objeto de tosa
Andai na contramão das romarias!
A voz do povo não é a voz de Deus
Ludibriada por faces em perpétuo riso
É celestial a dúvida, a dor, o triste!
Vai, se permite! Que este corpo é teu
Esta carne assimétrica, doente, frágil
Este mar de bactérias, vírus e átomos
Oceano febril fermentado por desejos
Não te cales ante o “Deus” vilipendioso!
Este corpo composto de vitrais, altares,
bancos, abóbadas, estátuas, sermões,
possessões, moedas, caixas de som,
cadeiras de plástico, batinas, blusas sociais,
sapatos lustrosos, bíblias com capa de couro,
crucifixos, ares-condicionados, vidros temperados,
estacionamentos, câmeras de segurança, cofres…
Regurgita tudo o que vomita esta garganta!
E vai sorver a vida, herege, vai apagar tua chama
Vai valsar o perfume floral, ler os dogmas jardinais
Que o mandamento mor é o desmandamento
O natural é torto, caótico, selvagem, indomável
Craves tinta no corpo, lambuza-te com gorduras
Que mostres as pernas, tocas teu próprio prazer
Mandai ao inferno todos os infernos já proferidos!
E ao diabo com todos os Diabos já criados!
A pira não mais queimará a carne ou as páginas
A Roda de Catarina não mais quebrará teus ossos
Não plantarão mais demônios em nossos cernes
Nem tomarão nossas moedas para luxar pastores
Enquanto pastamos ignorantes e obedientes ao léu
Rumai, ó rebanho de ovelhas negras! Pulai a cerca!
Cordeiros de Deus, vamos tirar o pecado do mundo!
Ajoelha-te perante o pôr do sol, n’água benta marinha
Tomai todos e comei do bendito fruto das árvores
Orai às pareidolias das nuvens e à sabedoria das estrelas
Contemplai a sinceridade dum bicho, o cântico das aves
Aprendei a paciência duma semente
Que vós ouçais a voz dos horizontes
Posto que és tua a brevidade entre o alfa e o ômega
Sob o veredito de heresia, performa a tua valsa
De olhos vendados, pisoteando dedões, tropicando…
Quanto aos templos, cercados, gaiolas, ratoeiras
Estende as tuas penas, abre o bico, cantarola!
Que eles não suportam belezas
Irmãos e irmãs! Salvem-se desta Salvação!
Amém.
